quinta-feira, 8 de julho de 2010

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Antes, eu cria que precisava de uma fortaleza: grandes muros, eficientes proteções, guaritas em todos os lados, defesas sempre prontas para atacar.
Sim, senhor, era um grande cofre em que eu guardava meus mimos, minhas doçuras, meus risos, meus olhares, minhas cores de rosa e verde. Era ali que, também, pretendia proteger meus melhores sabores e aquele cheirinho de segurança de casa.
Peguei todas as pedrinhas e algumas montanhas que fui encontrando para construir as enoooormes paredes e o teto e o chão. Eram um pouco frias, é verdade, mas seriam a estrutura perfeita para tutelar minhas riquezas.
E dito e feito: ninguém usurpava meus bens, que permaneciam os mesmos.
Com o tempo, percebi que, também, não enriquecia. Ao contrário: enlouquecia. Sozinha, comecei a falar comigo mesma; passando frio, fui obrigada queimar alguns bens para me aquecer, para me justificar, para ratificar a minha escolha.
Estava a ponto de perder a mim mesma quando pensei em abrir uma janela para que o sol me aquecesse. E gostei. Abri, então, uma porta para que eu pudesse me deitar na grama e dormir no quentinho de uma tarde de domingo. E vi que não era tão perigoso lá fora.
Desmontei algumas paredes, montei somente outras necessárias para um abrigo contra as intempéries do tempo e aprendi a não temer qualquer usurpação de meus bens - aprendi a partilhá-los e, desse modo, multipliquei-os. Consegui, depois de um tempo, decorar multiculturalmente o abrigo, cultivar um pomar e um quintalzinho. Tudo simples, não preciso da exuberância cultural e fútil que vejo lá na rua. São modestos os que me fazem feliz.
Abrir-me para o sol foi a melhor decisão que eu poderia tomar: deu consequência a uma diversidade incontável de alegrias e amores inestimáveis. Não sei qual a razão, mas só sei que não são todos que veem essa minha singela criação - os que veem, contudo, achegam-se, andam pelas pedrinhas do terreno, que agora são um caminho, trazem café e um bolinho e confraternizamos. Em quase todas as vezes, trocamos mimos e somamo-nos a existência de um ao outro. Passamos a ser eternos um para o outro. Isso é bom.
Por mais que demorem a me visitar novamente, sempre seremos como somos.  E isso também é bom.
Uma das minhas últimas lições nessa minha pequenina construção é não convidar para conhecê-la quem, de início, não a vê.
Infelizmente, decerto por inexperiência e afobação da alegria que descobrira, passei a ir até a portinhola de madeira colorida de banco e chamar alguém que estivesse passando, displicentemente, para se achegar também. Oh, que incômodo!
Muitos emporcalharam minhas vestes, outros destruíram minhas flores, comeram só parte do meu fruto e ainda saíram falando que era ruim - porque o bom está no fruto todo. Mais do que não partilharem nada, subtraíram muita coisa que precisei voltar ao caminho de onde as consegui para poder, então, continuar a minha criação.
E isso cansa: não só voltar atrás, mas, principalmente, refazer o que eu cuido com tanto amor e cuidado.
Há um povo que não sabe por onde pisa (pisa no seu coração), nem como gesticula (dá em sua face), nem como olha (castra sua alma), nem como vive (parasitando os bens alheios e sugando a energia que amoriza).
Tome cuidado com tais pessoas. Mas, ainda, tenha compaixão por elas: muitas vezes elas fazem isso porque não enxergam, porque são cegas de si e, por consequência, cegas de outros. Não percebem suas maneiras, seu caráter, seus cuidados e chegam se estabanando com um cavalo chucro (bah, já tive um cavalo chucro lá nos fundos de casa e me deu um trabalho... só fui feliz quando eu o fiz feliz soltando-o para a liberdade).
Ainda, não ouvem seus carinhos, não ouvem seus afetos e tratam-no como se você fosse o culpado por todos os problemas delas. É triste: dão a responsabilidade de suas vidas a outrem e não ouvem a vida lhes falando o quanto podem ser criativos e transformar seus mundos.
Ah, e não falam: insultam, zombam, gritam, cospem e emburrecem com palavras. E fazem chorar.
Eles, no fundo, carregam tristeza e opressão dentro de si e só sabem compartilhar isso. É triste.
Não os convide para entrar se não tiver plena certeza de que eles viram a beleza de seu mundo e vão aprender a partilhar coisas boas - porque não adianta de nada tentar tirar o véu da ignorância (eita, John Rawls) de quem se enfeita com ele.
Preze por suas flores, seus frutos, sua rede na varanda e pelo seu conjunto de chá café. Se ainda não os tem, saia para o sol, só um dia, deite-se sob ele (use filtro solar) e tire um soninho. O mundo acorda diferente depois disso.

2 comentários:

  1. As limitações nunca vão deixar de existir, apenas não devemos fazer com que elas ocupem o espaço todo!
    Tua "gana" pela vida é evidente nesse texto, Grazy!
    BEIJOCA:)

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