segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Almost




Para aliviar nossa dor, entorpecemo-nos. Engolimos goela abaixo qualquer coisa que nos prometa que aquele sofrimento vai passar. É algo bom, é algo que encobre nossa vergonha, que cicatriza nossos defeitos ou que, simplesmente, faz-nos esquecer de quem somos.

Somos aqueles que rimos, mas nem nós mesmos nos aceitamos quando não podemos lançar um sorriso. Não é o outro que pede a nossa perfeição: somos nós mesmos. E, por isso, imploramos por paliativos que nos endireitem e que nos prometam o paraíso.

Revenciamos as migalhas do que não podemos ser em um dado instante e lamentamos as consequências de nossas inconsequências. Diante da lamúria, queremos ser o que sempre somos: aquilo que achamos que somos.

Cremos que somos sempre luz, uma atmosfera leve e brisa de flores e firmeza. Qualquer coisa que, possivelmente, mude esse panorama, negamos que seja nosso. Imputamos ao outro. Imputamo-nos uns aos outros.

Mas, se nos reconhecemos no lamento, queremos um remédio fácil, uma droga que nos faça esquecer essa falha, esse defeito, essa via torta de nossas vidas. Não queremos suportar o regresso, olhar para trás e resignarmo-nos que nossos próprios atos causaram nossa tragédia. Ansiamos substâncias externas que nos tragam o alívio e que dizem "comigo, você será melhor".

Não. Não seremos melhores. Seremos outros que não nós mesmos. Seremos outros que não humanos.
Na ilusão salvadora, jogamo-nos um fosso de lama, vazio de vida, oco de sentimento. Perdemos nossa humanidade, nossa sensibilidade, abandonamos nossa essência.

Esquecendo a dor que arde em nós, esquecemo-nos de nós mesmos, pois somos sofrimento também - não um duradouro, mas um que constitui uma fase necessária para avançar à descoberta de nossa vida.

Eu quis não sentir dor e não senti minha vida. Perdi meus sentidos - todos os doze - por alguns dias, o que foi suficiente para eu ser grata por quem sou, pois já não conhecia mais minha definição.

Perdi dores, limites, sentimentos, e eu mesma. Tudo o que dizem que impede uma pessoa de ser livre, na verdade, entendo como sendo o que a define como ser humano. Os limites, nossos verdadeiros limites, não nos prendem: libertam-nos.

Mas eu não tinha mais nada disso naqueles dias vividos em uma esfera inferior. Eu via algumas pessoas passarem; eu, indiferente, deixava-as ficar ou ir. Não me importava; nada me importava. Perdendo minha sensibilidade à dor, tormei-me o próprio sofrimento. Uma agonia humana de nem poder dar à própria existência um sentido. Um niilismo de tudo.

Ouvia vozes e isso nada significava. Meu paladar era depressivo. Minha intuição, tinha abandonado. O mesmo dia, as mesmas 75 horas diárias, o mesmo aconchego frio e vazio, a mesma rotina, a paralisia dos movimentos, a estática do viver.

Até que algo maior, pontual aqui dentro, foi se inspirando com o fôlego de uma voz lonquíqua que teimava em dizer: volta! A teimosia me irritava. Eu a queria longe e, esse algo aqui, queria-a perto. Um paradoxo formou-se, então, e inclinou-me à luta: encaro a minha dor na sua exata medida e abandono os utensílios de engodo.

A teimosia, assim, transformou-se em persistência.
Alguém não havia desistido de mim no momento em que eu mesma me largava à própria sorte e permitia o afloramento de um estado egóitico e (auto)destrutivo.
Alguém acreditava em mim, apesar das mentiras que eu me lançava.

Minha essência era vista e requisitada.
Só assim ela pode acreditar, novamente, em si mesma.

Só dessa forma vi, vimos, que o real sofrimento é não pertencer a si mesmo, é perder-se, é, aqui, não existir.