terça-feira, 25 de junho de 2019

das violências

Noite
Temperatura boa
Fone no pescoço para ouvir eventuais passos
Seriedade
Olhos abaixados e desviados para não chamar olhares
Boca fechada, prensada

Dispersão
Olho ao lado da outra rua e sorrio com a música
Um olhar encontra minhas pernas
Ele anda paralelo a esse caminho, olhando
Olhar de violência, de redução
Meus olhos não significam nada, mas meu corpo, sim
É uma categoria de possibilidades para uma masculinidade doentia
Que tem MEDO das mulheres
Que aprender a odiar o feminino desde cedo
Que tem medo de si, de sua afetividade
Que odeia sua insegurança, sua vulnerabilidade
E que, talvez, sei lá, uma forma de matar seu feminino é submeter quem o represente
Não importa

Importa em olhar para baixo
Baixar a música do fone
Procurar, nas ruas, caminhos seguros
Seja com luz para aparecer
Seja escuro, para se esconder
Sempre depende

Pimenta
Spray
Não tem, não pode, ilegal
Mas e esse olhar que violenta
Um corpo que se tensiona, que se esconde, que se protege
De um olhar?
Um corpo que tenta viver em toda a sua complexidade de potência
Mas é reduzido na relação
Mas é limitado pelo outro
O outro insiste em se fazer sujeito
Esse outro que insiste em reduzir o corpo em objeto
Um objeto que satisfaz aquilo que crê ser homem,
[mas é violência.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Dos escritos conectados

A respiração é presa
Pressiono os olhos fechados
Puxo o ar com força
Exprimo uma voz rara
O tempo para.

Endurecendo a cada momento
- para não ter nada a perder
e conseguir seguir.
[Respira]
Sensível cada vez mais
- para não deixar de sangrar
para não abandonar esse sentir
[T(r)oca; abraça]

domingo, 2 de junho de 2019

Fanfic



Lilith é a primeira na narrativa, a primeira mulher, execrada do paraíso pela autoridade competente por ter questionado o homem, Adão, e por não ter se submetido sexualmente a ele, tanto pelo consenso, como pela posição dos corpos.
Daí se torna (uma) demônia, conforme a tradição judaico-cristã, e condenada a viver fora do paraíso - ou, em algumas versões, no inferno.
Algumas outras versões contam que Lilith foi a serpente que entregara a Eva o conhecimento, a possibilidade de libertação. Lilith seria uma boa amiga de Eva. Mas Eva, nascida da costela, é eivada por ser narrada como vinda dele. Apesar disso, caberia a ela se manter no que o contexto diz dela, por sua origem, ou se libertar, pelo conhecimento. Mas ela é a mulher que não crê em si e confia, cegamente, no homem - seja para ser legitimada, seja para pretender levar alguma libertação a ele.
E ele, o homem, o Adão, é o que a denuncia a autoridade, porque ele queria, sim, ser deus, mas em uma versão legitimada, e não transgressora daquele poder, que tanto o é sua imagem. Transgredi-lo, por projeção, seria transgredir-se naquilo que o beneficia e o eleva a uma forma de autoridade - sobre a mulher. Naquele momento, não lhe parecia concebível imaginar uma outra pessoa - diversa, a outra - ao seu lado, somente abaixo - ou embaixo de si. Parecia-lhe inconcebível alguém estar ao seu lado - qualquer um deles - por liberdade, por querer estar ali. E parecia, ainda, lógico - se ele se projeta em autoridade, em sanções e em mandos, como alguém, voluntariamente, teria vontade de, por liberdade, estar ali?
A autoridade, o deus narrado, que imprescinde do controle hierárquico, sabendo de sua imagem, seu inferior, uma transgressão - a única? -, consistente em obter conhecimento, decide: sua imagem medíocre e a mulher, sua subserviente, são expulsos do paraíso. Recebem uma sanção por saberem - ou pretenderem saber - demais, e se resignam na busca eterna de serem salvos por esse erro - o pecado original - pedindo clemência, martirizando-se pela culpa constituída eclesiasticamente, ajoelhando-se diariamente por piedade, misericórdia e perdão a autoridade constituída e reconhecida - por eles.
Lilith segue. Aceita seu contexto e, sobre ele, se posiciona. É expulsada, sim: expulsada do crivo da autoridade.