IX
Sou guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de goza-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado no realidade
Sei a verdade e sou feliz.
XI
Olá, guardador de rebanhos,
Ai à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?
Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois,
E a ti o que te diz?
Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.
Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.
O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caiero (heterônimo de Fernando Pessoa)
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