quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Partes

Presença constante: esse é a sede
A consciência das emoções e da vontade no mesmo lugar onde o físico está

Está amaranhado em redes que te fragmentam e te impedem da integridade
Estar e ser íntegro te torna ansioso e sua busca por te juntar, ao longo de onde te espalhou, te faz te perde

Perde o timing, perde o sexo, perde o toque, o olhar, o carinho
Perde o físico, perdendo-se na presença fragmentada na ilusão de amparo, de atenção, da virtude dos outros que é... pífia. Olhares esparsos, descontínuos, atentos para o novo, o grotesco, o desesperador, a identificação por aquilo de negativo que os une... não sei. O que sei é que se dispersa daquilo que é positivo e nos une.

Merecemos o inteiro. E afastamo-nos da realidade fragmentada, para a qual perdemos a presença.

Infelizmente.

Hoje é na primeira pessoa

Ela tem câncer. Me mandou um foto, sorridente, agora sem cabelo, carequinha, em razão da quimioterapia.

Me lembrou minha mãe, me lembrou minha avó.

Me lembrou a mãe que não tive que, por medo de como foi tratada a sua vida inteira, não teve abertura suficiente para partilhar companheirismo comigo. Mãe que teve câncer, mas negou. Mãe que não teve mãe, e não superou. Mãe que tentou ser mãe - e foi... do jeito dela, com limitações horrendas para mim, que precisava de mais (e, até pouco tempo, descobri que mais era de mim mesma).

O câncer lembrou minha avó, que ficou três meses no hospital, vegetando, vigiada por nós, mulheres da família, e um único homem, seu filho... o único homem, após o falecimento de seu marido, que esteve ao seu lado. Nesses momentos, homens são fracos.

Minha avó que viajava pelo Brasil aos 85 anos. Que dizia para eu aproveitar a vida, que me permitia, contrariamente à minha mãe, sair na praia. Que me fez questionar, desde criança, pelas suas próprias limitações, as escolhas das pessoas, suas crenças e seus preconceitos. Sua existência me ensinou, por ela mesma ser discriminante e discriminada, como as pessoas podem ser cruéis, mortais em suas emoções e rasteiras. Me ensinou a ser forte, a não querer ter filho, a querer ser tudo que não ela. Já na infância, me ensinou a distinção, a diferença. Enquanto adulta, me ensinou que está tudo bem e, ainda, a não seguir seu exemplo de como intrigar as pessoas e separá-las. Me ensinou muito e me levou, na sua morte, parte de mim que não necessariamente é por ela, mas pela minha própria história, que não é mais meu presente, mas um passado que só posso contar aqui, assim, por memórias pretensamente verdadeiras.

A Carmen está doente e não sei o que dizer ou fazer. Não sei se morrerá - por isso -, não sei como confortá-la, além de uma flor e dos cuidados que dou ao seu amorzinho de cão.

Elas me lembram de mim que, com dores constantes, pode ter algo parecido. E o que vem aqui do estômago, soca a garganta e me faz chorar compulsivamente é o que fazer a partir de então. É muita vida para pouco tempo; é muita vontade para muita rotina; é muito dia de sol para tanto compromisso; é muito sono para tanta pulsação. É medo. Silêncio. Silêncio que consome, e que pode matar, que mata.

Pudera me fazer Lucy, pelo menos. Ler os códigos dessa existência e deixar algo de bom para alguém que tenha um objetivo de pensar a vida enquanto amor, compreensão, liberdade e presença. Presença no agora, aqui, fisicamente, não lá longe, com outra pessoa.

Que eu esteja onde o amor for conforto e a presença for constante.




terça-feira, 14 de novembro de 2017

Noites em claro, a fim de me envolver

Mais histórias para nós duas, e nosso amor é livre
E vai proteger do que for, e vai me proteger de quem sou

13-14/11
Ainda não sei definir.

É uma ausência de... competição. É livre. É liberdade. Parece sincero - sinto sincero.
É forte; despertou minha Lilith.
Ou minha Lilith que te chamou.
EU clamei por ela, clamei por me mostrar, por me desvendar, por me integrar.
Ela matou a minha criança e me fez me ver em uma relação de igual para igual. Cara.
Sem o peso de padrões. Sem o peso de enquadramento, de scripts, de nada. Só admiração, vontade de conversar, de ficar junto, de brincar, de incentivar, de ver a outra evoluindo, vencendo, crescendo.

Hoje eu nasci mulher, uma mulher livre. Fui parida diante de tantas situações tortuosas, maléficas, tóxicas; mas frente a uma postura de exigência de "chega", "não quero mais migalhas".

E você veio. Modo direto. É isso mesmo. Quero. Vamos. Não acredito. Você é linda.
Transformou meu dia. Transformou minha fase - mudou a fase de aprisionamento.

Você representa a concretização da minha liberdade em Lilith, a que eu pedi antes de dormir.
Meu sangue conspirou por ela. E ela veio, me mostrando uma plenitude maior de mim.
Que isso não seja um peso para você. Que isso seja um agradecimento, sem obrigações.
Leve, assim como você; assim como nós.

Um agradecimento pelos sorrisos, pelas lágrimas de alegria, pelas expansões de consciência.
Sua existência me proporcionou tudo isso. Obrigada.

Interlúdio

Início de outubro. Dores, como cólica. Não, dor, não: uma pressão constante e instigante no útero.
Nunca havia sentido dor em relação sexual heteroafetiva, exceto por duas vezes, de forma bem estranha, como num susto.

Procurou algo na internet que indicasse o que tinha, tentando não se apavorar muito. Encontrou um nome, o mais provável, que uma amiga tem. Marcou médico. Esperou angustiada por duas semanas.

No exame clínico, logo no início, sangrou. Se apavorou, mesmo o médico dizendo que era algo pequeno, logo na entrada do útero. Ela pensou no não julgamento, em como suas células se modificam e se multiplicam sem bem ou mal; apenas vivem e cumprem sua função a partir de determinados contextos, descobertos ou não pela medicina.

Tentou se acalmar. Na profundidade do exame, o médico informou que o útero está, no toque, bem saudável, assim como o canal vaginal. Tudo certo - aparentemente. São necessários mais exames, laboratoriais, sangue, urina, ultrassom. cerca um mês de espera até a próxima consulta.

Ela sente sempre, muito. Sentiu aqueles momentos como uma troca de vida. Sua vida mudou. Suas perspectivas sobre quase tudo - não sabe ao certo - mudaram. Ela sabia da possibilidade da gravidade daquela doença - e se fez a frente com a possibilidade de morte, tão escondida no nosso dia-a-dia.

Um dia, sim, hoje, amanhã, daqui 20 anos, ela irá morrer - e poderia ser por aquela doença que pode ter sido originada dos anticoncepcionais que toma há mais de 15 anos - drogas que servem para domesticar a mulher e impedir a sua vida cíclica.

Chorou a ausência de liberdade de escolha - não da sua vida, mas de uma futura vida. Talvez não possa gerar. E isso, em si, não lhe fez mal; o que a impactou foi a possibilidade de não poder escolher. Logo ela, a liberdade.

E lamentou, mais ainda, por incrível que pareça, além da dor que lhe acompanhou por mais dias, a impossibilidade de se relacionar de forma íntima com homens. Estava solteira e nada lhe impedia de nada nesse sentido, até aquele dia, em que ela mesma a obstava. E isso a fez sofrer demais, sentiu-se sozinha, isolada, fora de qualquer contexto social-afetivo.

E, assim, parou para se observar e entendeu que, até aquele dia, a maioria (ou quase todos) dos seus relacionamentos era uma justificativa para o sexo. Só. Havia, claro, toda parceria, companheirismo, acordos... mas, de fato, o que a mantinha em um relacionamento era um bom sexo. Isso a chocou, mas a libertou.

A partir de então, por tantos que falavam que ela era exigente, passou a ser mais, bem mais. Ela aperfeiçoou o seu faro para sacar carência masculina e, lógico, fazia o jogo... por sexo, quando valia a pena - e, claro, pelo contexto todo que envolvia e justificava o sexo.

E, de um segundo para outro, cortou a maioria das relações que mantinha virtual e pessoalmente. Viu-se, de novo, sozinha, mas mais em si, um tanto quanto mais forte, mas certa do que merece, de acordo com o que pode oferecer. E continua não preocupada com bens materiais, mas com o toque na alma.

Nessa fortaleza, ainda capenga, forçava para se manter longe, de forma involuntária, da família, lidando com pessoas que não priorizam amizades, enfrentando instabilidades institucionais e vampiros que aproveitam a situação para sugar mais energia e monstros, para cindir aquilo que já está incerto.

Quis mais de si. E, por destino, encontrou, escondido, o livro de Lilith. O Livro de Lilith, lido em menos de 24h. Lilith, o lado sombrio da mulher, que mata crianças, que aborta, que é infértil, que é rebelde, que é isolada, que é solitária, que é excluída. Era ela.

efeito sombra

O que havia entre eles não ia bem, pelo menos para ela, porque ele parecia sempre no além
Isso era engraçado, porque, desde o início, ele que era o apaixonado.
Mas enfim, ela decidiu conversar e, quem sabe, evitar qualquer  fim

Naquele dia, sentaram na cama e ela puxou: como podemos melhorar?
Mal sabia que, de uma intenção de melhora, passaria por uma das mais tensas situações de sua história

Papo vai, papo vem, ela percebeu o gestual infantilizado:
Fecha a cara, cruza os braços, torce a boca, fala irritado
“Para que agir assim, mal-humorado? Ninguém aqui tá te ofendendo ou te fazendo de palhaço!!”

A questão é que, naquele momento, ela cometeu o seu “erro”: apontou o seu dedo
Ele, com um olhar que misturava raiva e frieza, bateu na sua mão e disse – curiosamente apontando o dedo: baixa essa mão e fala baixo, aqui ngm fica em cima ou embaixo.
Ela, indignada, respondeu, em tom alto: quem é você para falar desse jeito comigo, como se fosse um inimigo
Ele, com raiva, bravou com o dedo: SHIU, fala baixo; tem gente dormindo do lado.

Shiu!? Ela pensou
Shiu?!
Mano!! Eu vou embora (primeira vez quedisso  ela fala)
Ao tentar se levantar, ele a puxou, prendendo com força os seus braços, mas não adiantou
Ela fez força, bateu na cadeira, se machucou e olhou, indignada, para aquele cara que ela não conhecia como imaginava

Olha o que cê tá fazendo!?  De onde veio tudo isso?? Tá me forçando a ficar, tirando minha vontade a força, é isso? (segunda vez)
E aí, ela comete seu segundo “erro”, inadvertidamente: estava de pé, enquanto ele sentado, parecia ferver a sua mente

Senta aqui e tu vai conversar, bravou ele com raiva, não aceitando o fato de que, fisicamente, ela pudesse mais alta que ele ficar
Ela não entendeu, se negou, “vou embora” (terceira vez), e catou suas coisas espalhadas pelo quarto afora
Ele, bem mais alto que ela, se levantou na fúria, apontou o dedo sua cara e disse: tu vai sentar agora e aqui e a gente vai conversar, sem mimimi

Ráá... Ali ela vestiu a risada, debochada, pois o que lhe dá medo?! NADA
porque a vida a forjou de um jeito que nada mais lhe tira do eixo

Ela riu e disse, pela quarta vez, que ia sair dali, mesmo ele impedindo a sua passagem até a porta e mandando, DE NOVO, ela sentar para conversar

Ela não acreditava, tava abismada, porque aquele cara nunca tinha te mostrado nada:
- em homem você não faz isso, né?
E ele respondeu - eu faço sim
E daí ela lembrou de uma vez que ele agrediu um amigo e nem desculpa conseguiu pedir

Ela viu a violência nele, enquanto perguntava que o que ele tava fazendo – usando a autoridade do seu corpo pra impedir ela saísse do quarto naquele momento

- Isso é machismo! Onde tava guardado tudo isso?
- Machismo está la fora – entre nós, isso não existe
- vocês não querem igualdade? Dedo na cara dos outros é o que? Liberdade?
Aí ela viu a merda, aí ela viu o problema, aí ela parou de pensar nela: e pensou na gama de mulheres que é seu emblema

Conseguiu sair do quarto, descer as escadas. Casa toda trancada, grade até o telhado – é por lá que eu passo, se for necessário.

Ela ouviu o chinelo dele se aproximando, a cara dele debochando e dizendo: se acalma, senta, a gente vai conversar
Não, vou embora – abre a merda dessa grade – se for preciso, eu berro mais alto até todo mundo ouvir esse alarde

Ele ainda, imperativamente, mandou várias vezes ela se sentar, com a chave na mão a brincar
Até que ela perguntou:
qual o problema de eu estar em pé e você sentado?
Porque vc fica superior a mim e eu não sou seu empregado
Ela, espantada:
Pera, o problema é eu ser superior a vc, fisicamente?!
Ele respondeu positiviamente
Ela, curiosa, perguntou: e na vida, na carreira, dependendo do prisma, estou acima de sua caveira
Mas isso não importava, porque o que mais o angustiava era que na única forma em que ele por cima estava era quando, de cima abaixo, ele a olhava

Ela disse: não posso conversar porque estou irritada, vou embora, eu to tremendo, abre a porta.
Mas ele não a ouvia, ria e se aproximava

E ela continuava:
“Não estou mais aqui em mim”, “estou em todas as mulheres que essa merda enfrentaram”
E gritou:
Tu nunca mais vai me ver
E bravejou:
Se eu souber que tu fez merda para alguma mulher, tu tá perdido
E especificou:
Se eu souber que tu fez merda para alguma aluna minha, tu tá fodido

E ele veio calmo e sarcástico dizendo:
“Tu não sabe como tais me ofendendo”
Ué, ela disse, mas eu nunca te fiz nem te disse nada de ruim
E ele: “e quando vc me deu de dedo na cara e ficou superior a mim?”

Ali ela viu o poço e entendeu que tudo que ele interpretava era desgosto
Confundiu “estar em pé para ir embora” com “superioridade”
Confundiu respeito com pé nojento de igualdade
Ele quis se manter por cima dando de dedo na cara da inimiga, usando sua altura como arma de psicologia

E ele veio de novo, dando de dedo
Ela caminhava para trás, ele vinha  pra cima, querendo meter medo

Ela queria empurrar, ela queria bater
E bateu: um tapa no peito que foi nela que mais doeu

Ele olhou para o lugar do tapa, riu, olhou para ela e perquiriu:
Então quer dizer que mulher pode bater em homem e homem não pode bater em mulher?

Aqui preferi não rimar pra vocês degustarem o quanto isso é um desumanizar

Aí ela gritou e berrou mais alto
Machista, seu bosta
Abre logo essa porta

Nesse contexto, de uma república com 5 caras, ngm apareceu
Nem a guria que estava com um deles, a que eles chamaram de dama
Que, no jargão popular é a mulher que faz programa.

Até que ele, debochado, devagar e acalmado, abriu a porta:
- Isso é agressão, sabia, esperta?
E ela:
- Então vai na delegacia e faz um BO, seu merda

Ela não chorou, ficou na raiva, saiu batendo portão, enfurecida
Bloqueou contatos, saiu pela rua, sem saída, perdida
Ligou para uma amiga

Quem a acolheu foi a Marília, do artigo de Violências que na semana passada a gente leu
E o que vocês n]ao sabem é que essa guria era eu.