terça-feira, 14 de novembro de 2017

efeito sombra

O que havia entre eles não ia bem, pelo menos para ela, porque ele parecia sempre no além
Isso era engraçado, porque, desde o início, ele que era o apaixonado.
Mas enfim, ela decidiu conversar e, quem sabe, evitar qualquer  fim

Naquele dia, sentaram na cama e ela puxou: como podemos melhorar?
Mal sabia que, de uma intenção de melhora, passaria por uma das mais tensas situações de sua história

Papo vai, papo vem, ela percebeu o gestual infantilizado:
Fecha a cara, cruza os braços, torce a boca, fala irritado
“Para que agir assim, mal-humorado? Ninguém aqui tá te ofendendo ou te fazendo de palhaço!!”

A questão é que, naquele momento, ela cometeu o seu “erro”: apontou o seu dedo
Ele, com um olhar que misturava raiva e frieza, bateu na sua mão e disse – curiosamente apontando o dedo: baixa essa mão e fala baixo, aqui ngm fica em cima ou embaixo.
Ela, indignada, respondeu, em tom alto: quem é você para falar desse jeito comigo, como se fosse um inimigo
Ele, com raiva, bravou com o dedo: SHIU, fala baixo; tem gente dormindo do lado.

Shiu!? Ela pensou
Shiu?!
Mano!! Eu vou embora (primeira vez quedisso  ela fala)
Ao tentar se levantar, ele a puxou, prendendo com força os seus braços, mas não adiantou
Ela fez força, bateu na cadeira, se machucou e olhou, indignada, para aquele cara que ela não conhecia como imaginava

Olha o que cê tá fazendo!?  De onde veio tudo isso?? Tá me forçando a ficar, tirando minha vontade a força, é isso? (segunda vez)
E aí, ela comete seu segundo “erro”, inadvertidamente: estava de pé, enquanto ele sentado, parecia ferver a sua mente

Senta aqui e tu vai conversar, bravou ele com raiva, não aceitando o fato de que, fisicamente, ela pudesse mais alta que ele ficar
Ela não entendeu, se negou, “vou embora” (terceira vez), e catou suas coisas espalhadas pelo quarto afora
Ele, bem mais alto que ela, se levantou na fúria, apontou o dedo sua cara e disse: tu vai sentar agora e aqui e a gente vai conversar, sem mimimi

Ráá... Ali ela vestiu a risada, debochada, pois o que lhe dá medo?! NADA
porque a vida a forjou de um jeito que nada mais lhe tira do eixo

Ela riu e disse, pela quarta vez, que ia sair dali, mesmo ele impedindo a sua passagem até a porta e mandando, DE NOVO, ela sentar para conversar

Ela não acreditava, tava abismada, porque aquele cara nunca tinha te mostrado nada:
- em homem você não faz isso, né?
E ele respondeu - eu faço sim
E daí ela lembrou de uma vez que ele agrediu um amigo e nem desculpa conseguiu pedir

Ela viu a violência nele, enquanto perguntava que o que ele tava fazendo – usando a autoridade do seu corpo pra impedir ela saísse do quarto naquele momento

- Isso é machismo! Onde tava guardado tudo isso?
- Machismo está la fora – entre nós, isso não existe
- vocês não querem igualdade? Dedo na cara dos outros é o que? Liberdade?
Aí ela viu a merda, aí ela viu o problema, aí ela parou de pensar nela: e pensou na gama de mulheres que é seu emblema

Conseguiu sair do quarto, descer as escadas. Casa toda trancada, grade até o telhado – é por lá que eu passo, se for necessário.

Ela ouviu o chinelo dele se aproximando, a cara dele debochando e dizendo: se acalma, senta, a gente vai conversar
Não, vou embora – abre a merda dessa grade – se for preciso, eu berro mais alto até todo mundo ouvir esse alarde

Ele ainda, imperativamente, mandou várias vezes ela se sentar, com a chave na mão a brincar
Até que ela perguntou:
qual o problema de eu estar em pé e você sentado?
Porque vc fica superior a mim e eu não sou seu empregado
Ela, espantada:
Pera, o problema é eu ser superior a vc, fisicamente?!
Ele respondeu positiviamente
Ela, curiosa, perguntou: e na vida, na carreira, dependendo do prisma, estou acima de sua caveira
Mas isso não importava, porque o que mais o angustiava era que na única forma em que ele por cima estava era quando, de cima abaixo, ele a olhava

Ela disse: não posso conversar porque estou irritada, vou embora, eu to tremendo, abre a porta.
Mas ele não a ouvia, ria e se aproximava

E ela continuava:
“Não estou mais aqui em mim”, “estou em todas as mulheres que essa merda enfrentaram”
E gritou:
Tu nunca mais vai me ver
E bravejou:
Se eu souber que tu fez merda para alguma mulher, tu tá perdido
E especificou:
Se eu souber que tu fez merda para alguma aluna minha, tu tá fodido

E ele veio calmo e sarcástico dizendo:
“Tu não sabe como tais me ofendendo”
Ué, ela disse, mas eu nunca te fiz nem te disse nada de ruim
E ele: “e quando vc me deu de dedo na cara e ficou superior a mim?”

Ali ela viu o poço e entendeu que tudo que ele interpretava era desgosto
Confundiu “estar em pé para ir embora” com “superioridade”
Confundiu respeito com pé nojento de igualdade
Ele quis se manter por cima dando de dedo na cara da inimiga, usando sua altura como arma de psicologia

E ele veio de novo, dando de dedo
Ela caminhava para trás, ele vinha  pra cima, querendo meter medo

Ela queria empurrar, ela queria bater
E bateu: um tapa no peito que foi nela que mais doeu

Ele olhou para o lugar do tapa, riu, olhou para ela e perquiriu:
Então quer dizer que mulher pode bater em homem e homem não pode bater em mulher?

Aqui preferi não rimar pra vocês degustarem o quanto isso é um desumanizar

Aí ela gritou e berrou mais alto
Machista, seu bosta
Abre logo essa porta

Nesse contexto, de uma república com 5 caras, ngm apareceu
Nem a guria que estava com um deles, a que eles chamaram de dama
Que, no jargão popular é a mulher que faz programa.

Até que ele, debochado, devagar e acalmado, abriu a porta:
- Isso é agressão, sabia, esperta?
E ela:
- Então vai na delegacia e faz um BO, seu merda

Ela não chorou, ficou na raiva, saiu batendo portão, enfurecida
Bloqueou contatos, saiu pela rua, sem saída, perdida
Ligou para uma amiga

Quem a acolheu foi a Marília, do artigo de Violências que na semana passada a gente leu
E o que vocês n]ao sabem é que essa guria era eu.


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