O que havia entre eles não ia bem, pelo menos para ela,
porque ele parecia sempre no além
Isso era engraçado, porque, desde o início, ele que era o
apaixonado.
Mas enfim, ela decidiu conversar e, quem sabe, evitar qualquer
fim
Naquele dia, sentaram na cama e ela puxou: como podemos
melhorar?
Mal sabia que, de uma intenção de melhora, passaria por uma
das mais tensas situações de sua história
Papo vai, papo vem, ela percebeu o gestual infantilizado:
Fecha a cara, cruza os braços, torce a boca, fala irritado
“Para que agir assim, mal-humorado? Ninguém aqui tá te
ofendendo ou te fazendo de palhaço!!”
A questão é que, naquele momento, ela cometeu o seu “erro”:
apontou o seu dedo
Ele, com um olhar que misturava raiva e frieza, bateu na sua
mão e disse – curiosamente apontando o dedo: baixa essa mão e fala baixo, aqui
ngm fica em cima ou embaixo.
Ela, indignada, respondeu, em tom alto: quem é você para
falar desse jeito comigo, como se fosse um inimigo
Ele, com raiva, bravou com o dedo: SHIU, fala baixo; tem gente dormindo do lado.
Ele, com raiva, bravou com o dedo: SHIU, fala baixo; tem gente dormindo do lado.
Shiu!? Ela pensou
Shiu?!
Mano!! Eu vou embora (primeira vez quedisso ela fala)
Ao tentar se levantar, ele a puxou, prendendo com força os
seus braços, mas não adiantou
Ela fez força, bateu na cadeira, se machucou e olhou,
indignada, para aquele cara que ela não conhecia como imaginava
Olha o que cê tá fazendo!? De onde veio tudo isso?? Tá me forçando a ficar, tirando minha vontade a força, é isso? (segunda vez)
Olha o que cê tá fazendo!? De onde veio tudo isso?? Tá me forçando a ficar, tirando minha vontade a força, é isso? (segunda vez)
E aí, ela comete seu segundo “erro”, inadvertidamente:
estava de pé, enquanto ele sentado, parecia ferver a sua mente
Senta aqui e tu vai conversar, bravou ele com raiva, não
aceitando o fato de que, fisicamente, ela pudesse mais alta que ele ficar
Ela não entendeu, se negou, “vou embora” (terceira vez), e
catou suas coisas espalhadas pelo quarto afora
Ele, bem mais alto que ela, se levantou na fúria, apontou o
dedo sua cara e disse: tu vai sentar agora e aqui e a gente vai conversar, sem
mimimi
Ráá... Ali ela vestiu a risada, debochada, pois o que lhe dá
medo?! NADA
porque a vida a forjou de um jeito que nada mais lhe tira do
eixo
Ela riu e disse, pela quarta vez, que ia sair dali, mesmo
ele impedindo a sua passagem até a porta e mandando, DE NOVO, ela sentar para
conversar
Ela não acreditava, tava abismada, porque aquele cara nunca
tinha te mostrado nada:
- em homem você não faz isso, né?
E ele respondeu - eu faço sim
E daí ela lembrou de uma vez que ele agrediu um amigo e nem
desculpa conseguiu pedir
Ela viu a violência nele, enquanto perguntava que o que ele
tava fazendo – usando a autoridade do seu corpo pra impedir ela saísse do
quarto naquele momento
- Isso é machismo! Onde tava guardado tudo isso?
- Machismo está la fora – entre nós, isso não existe
- vocês não querem igualdade? Dedo na cara dos outros é o
que? Liberdade?
Aí ela viu a merda, aí ela viu o problema, aí ela parou de
pensar nela: e pensou na gama de mulheres que é seu emblema
Conseguiu sair do quarto, descer as escadas. Casa toda
trancada, grade até o telhado – é por lá que eu passo, se for necessário.
Ela ouviu o chinelo dele se aproximando, a cara dele
debochando e dizendo: se acalma, senta, a gente vai conversar
Não, vou embora – abre a merda dessa grade – se for preciso,
eu berro mais alto até todo mundo ouvir esse alarde
Ele ainda, imperativamente, mandou várias vezes ela se
sentar, com a chave na mão a brincar
Até que ela perguntou:
qual o problema de eu estar em pé e você sentado?
qual o problema de eu estar em pé e você sentado?
Porque vc fica superior a mim e eu não sou seu empregado
Ela, espantada:
Pera, o problema é eu ser superior a vc, fisicamente?!
Ele respondeu positiviamente
Ela, curiosa, perguntou: e na vida, na carreira, dependendo
do prisma, estou acima de sua caveira
Mas isso não importava, porque o que mais o angustiava era
que na única forma em que ele por cima estava era quando, de cima abaixo, ele a
olhava
Ela disse: não posso conversar porque estou irritada, vou
embora, eu to tremendo, abre a porta.
Mas ele não a ouvia, ria e se aproximava
E ela continuava:
“Não estou mais aqui em mim”, “estou em todas as mulheres
que essa merda enfrentaram”
E gritou:
Tu nunca mais vai me ver
E bravejou:
Se eu souber que tu fez merda para alguma mulher, tu tá
perdido
E especificou:
Se eu souber que tu fez merda para alguma aluna minha, tu tá
fodido
E ele veio calmo e sarcástico dizendo:
“Tu não sabe como tais me ofendendo”
Ué, ela disse, mas eu nunca te fiz nem te disse nada de ruim
E ele: “e quando vc me deu de dedo na cara e ficou superior
a mim?”
Ali ela viu o poço e entendeu que tudo que ele interpretava
era desgosto
Confundiu “estar em pé para ir embora” com “superioridade”
Confundiu respeito com pé nojento de igualdade
Ele quis se manter por cima dando de dedo na cara da
inimiga, usando sua altura como arma de psicologia
E ele veio de novo, dando de dedo
Ela caminhava para trás, ele vinha pra cima, querendo meter medo
Ela queria empurrar, ela queria bater
E bateu: um tapa no peito que foi nela que mais doeu
Ele olhou para o lugar do tapa, riu, olhou para ela e perquiriu:
Então quer dizer que mulher pode bater em homem e homem não
pode bater em mulher?
Aqui preferi não rimar pra vocês degustarem o quanto isso é
um desumanizar
Aí ela gritou e berrou mais alto
Machista, seu bosta
Abre logo essa porta
Nesse contexto, de uma república com 5 caras, ngm apareceu
Nem a guria que estava com um deles, a que eles chamaram de
dama
Que, no jargão popular é a mulher que faz programa.
Até que ele, debochado, devagar e acalmado, abriu a porta:
- Isso é agressão, sabia, esperta?
E ela:
- Então vai na delegacia e faz um BO, seu merda
Ela não chorou, ficou na raiva, saiu batendo portão,
enfurecida
Bloqueou contatos, saiu pela rua, sem saída, perdida
Ligou para uma amiga
Quem a acolheu foi a Marília, do artigo de Violências que na
semana passada a gente leu
E o que vocês n]ao sabem é que essa guria era eu.
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