terça-feira, 14 de novembro de 2017

Interlúdio

Início de outubro. Dores, como cólica. Não, dor, não: uma pressão constante e instigante no útero.
Nunca havia sentido dor em relação sexual heteroafetiva, exceto por duas vezes, de forma bem estranha, como num susto.

Procurou algo na internet que indicasse o que tinha, tentando não se apavorar muito. Encontrou um nome, o mais provável, que uma amiga tem. Marcou médico. Esperou angustiada por duas semanas.

No exame clínico, logo no início, sangrou. Se apavorou, mesmo o médico dizendo que era algo pequeno, logo na entrada do útero. Ela pensou no não julgamento, em como suas células se modificam e se multiplicam sem bem ou mal; apenas vivem e cumprem sua função a partir de determinados contextos, descobertos ou não pela medicina.

Tentou se acalmar. Na profundidade do exame, o médico informou que o útero está, no toque, bem saudável, assim como o canal vaginal. Tudo certo - aparentemente. São necessários mais exames, laboratoriais, sangue, urina, ultrassom. cerca um mês de espera até a próxima consulta.

Ela sente sempre, muito. Sentiu aqueles momentos como uma troca de vida. Sua vida mudou. Suas perspectivas sobre quase tudo - não sabe ao certo - mudaram. Ela sabia da possibilidade da gravidade daquela doença - e se fez a frente com a possibilidade de morte, tão escondida no nosso dia-a-dia.

Um dia, sim, hoje, amanhã, daqui 20 anos, ela irá morrer - e poderia ser por aquela doença que pode ter sido originada dos anticoncepcionais que toma há mais de 15 anos - drogas que servem para domesticar a mulher e impedir a sua vida cíclica.

Chorou a ausência de liberdade de escolha - não da sua vida, mas de uma futura vida. Talvez não possa gerar. E isso, em si, não lhe fez mal; o que a impactou foi a possibilidade de não poder escolher. Logo ela, a liberdade.

E lamentou, mais ainda, por incrível que pareça, além da dor que lhe acompanhou por mais dias, a impossibilidade de se relacionar de forma íntima com homens. Estava solteira e nada lhe impedia de nada nesse sentido, até aquele dia, em que ela mesma a obstava. E isso a fez sofrer demais, sentiu-se sozinha, isolada, fora de qualquer contexto social-afetivo.

E, assim, parou para se observar e entendeu que, até aquele dia, a maioria (ou quase todos) dos seus relacionamentos era uma justificativa para o sexo. Só. Havia, claro, toda parceria, companheirismo, acordos... mas, de fato, o que a mantinha em um relacionamento era um bom sexo. Isso a chocou, mas a libertou.

A partir de então, por tantos que falavam que ela era exigente, passou a ser mais, bem mais. Ela aperfeiçoou o seu faro para sacar carência masculina e, lógico, fazia o jogo... por sexo, quando valia a pena - e, claro, pelo contexto todo que envolvia e justificava o sexo.

E, de um segundo para outro, cortou a maioria das relações que mantinha virtual e pessoalmente. Viu-se, de novo, sozinha, mas mais em si, um tanto quanto mais forte, mas certa do que merece, de acordo com o que pode oferecer. E continua não preocupada com bens materiais, mas com o toque na alma.

Nessa fortaleza, ainda capenga, forçava para se manter longe, de forma involuntária, da família, lidando com pessoas que não priorizam amizades, enfrentando instabilidades institucionais e vampiros que aproveitam a situação para sugar mais energia e monstros, para cindir aquilo que já está incerto.

Quis mais de si. E, por destino, encontrou, escondido, o livro de Lilith. O Livro de Lilith, lido em menos de 24h. Lilith, o lado sombrio da mulher, que mata crianças, que aborta, que é infértil, que é rebelde, que é isolada, que é solitária, que é excluída. Era ela.

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