quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Processo



O ontem... o ontem passou, foi chuvoso, foi escuro, cheio de sombras e aterrorizador.
Mas o ontem, memorável por tempos, foi noite de crise.
Por conveniência à sobrevivência diária nesse sistema sobre o qual rimam meus caros rappers, colocamo-nos, nós, os sensíveis, máscaras e escudos para que nossos bravejos contra a violência que mutila nossa humanidade sejam abafados e para que possamos vencer mais um dia nessa autoconspiração letal.
Devo ter feito algo errado (como escollher uma máscara ou não fixar bem o escudo) porque, ontem, eu fui atingida por atos desmensurados e frutos de um contexto fictício. Em verdade, ontem minha insensibilidade frente à organização política da sociedade caiu - logo ela, que é parte principal da manutenção da minha sanidade.
Não sei se por causa de um olhar de reprovação (visto que estou cagando no celite para esse tipo de atitude), não sei se porque vi um homem chorar ao perder seu lar (por causa do contexto econômico e todas as contigências de uma empresa má administrada por outrem) e porque um outro, ao vê-lo implorar "por amor de Deus", deu-lhe os ombros, ou porque ouvi o relato de uma mulher que não pode ter filhos por causa da inércia de uma seguradora de saúda, ou ainda por conta da história de uma criança de 2 anos, molestada pelo pai com a conivência da mãe, ou por causa de insensibilidade de alguns pares frente ao clima de ontem (que, sim, só eu sentia, porque muitos não se protegem: muitos se cegam), já que têm problemas mais importantes para cuidar (como pagar o carro que trocaram ou pensar na roupa para um casamento), quem sabe porque o que é injusto é aplicado como se fosse lei entre os homens (e não é?) e  ninguém pode fazer porra nenhuma nada para isso mudar (não por enquanto).
Pode não ter sido o exterior, pode ter sido pelo interior mesmo...
Este ano está sendo pesado: viagens, estudos de toda ordem, dificuldade de concentração pelo ambiente, responsabilidades não programadas. Ando carregando pesos de toda ordem, uns altamente necessários, outros úteis, bolsas, malas, livros, pessoas, burro de carga. E sei que são com poucas ajudas com que posso contar, já que muitos não me veem quando paro para respirar, ajeitar minhas coisas e reanalisar a bússola. Talvez para me tornar mais forte. Talvez para me tornar (mais?, porra) independente. Ou mais desapegada (o que é visto por muitos como desumano). Ou mais desvinculada de tudo isso, não sei.
Vivi muito objetivamente até então, em virtude do que não parei para sentir muita coisa. E, agora, quando estou me abrindo ao meu subjetivo mais emocional, caio. E bonito: de quatro.
Ontem, lágrimas borraram toda a minha maquiagem feita para o trabalho (só para "melhorar", vê-se, assim, a má qualidade da maquiagem). Mas que um urso panda (com os olhos enegrecidos com o lambuzeiro do lápis, delineador e rímel), meus pedaços separaram-se e retornou-se à questão: para que tudo isso? por quê? tem certeza?
Como em um trabalho de meio e mecânico, senti-me, ontem, a inutilidade personificada. Do que valem todas as ações, todas as leituras, todas as batalhas, as escritas, os tempos perdidos pensando e cogitando o melhor caminho para os outros? Enquanto isso, você é extirpada de seu centro e transformado em mera peça da engrenagem que convalida os comportamentos mais mesquinhos e incongruentes que você já viu. Está ali no meio, na grande roda, girando e dando a mão àqueles que são insensíveis (por natureza) às suas condições de existência e desenvolvimento. O problema é que só eles têm o poder de mudar aquela situação.
Mas eu posso mudar todo o contexto. Só precisava saber como e procurar uma outra resposta, pois estou enjoada do famoso "faça sua parte e pronto"... cansada, mesmo, com pesos reais nos ombros e com o interior abismado e destroçado.
Resolvi olhar para fora como uma forma de exorcizar e diluir tudo isso que aconteceu ontem e tudo que acontecia, ainda, no meu espírito. Resolvi abrir-me... e recebi uma porta fechada com a placa "agora não posso". Provavelmente porque o universo novamente me dizia como deveria ser minha atitude naquele momento: parte de mim queria ficar sozinha, outra parte queria se abrir. Considerando os últimos acontecimentos, preferi abrir-me. E deu no que deu.
Mas isso foi o mínimo de ontem - apesar de que, para alguém, talvez, tenha sido o máximo e gerado consequências inimagináveis. Whatever. Foi o mínimo que coroou o ontem.
Nem um chocolate adiantou. Pensei no vinho ali guardado, mas o que eu menos quero é outra solução paliativa. Creio como errado os comportamentos que, simplesmente, desconsideram os obstáculos e fingem que nada acontece; então, não seria eu a agir dessa forma.
A calada da noite ainda ouvia meu choro quando eu não sei quem me levou. 
E acordei hoje, momento também passado, mas que me trouxe afirmação e interrogação que perduram ao presente. Afirmação e interrogação de luta e de indignação, que, potencialmente eficazes, socam-me a alma, produzem dor e mais lágrimas.
O ontem ainda não terminou. 
O ontem ainda é hoje.

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