sábado, 15 de maio de 2010

Inquietação


Charles, sensiblizado pela realidade do post anterior, retratou a repugnante consequência de tomarmos ciência disso: "Sempre sabemos desses casos, mas facilmente esquecemos.O que de fato sempre ou quase sempre deixamos para trás".

E questionou-me:  "Mas agora eu te pergunto, o que podemos ou posso fazer? Penso que você terá uma melhor visão do que a minha ..."

E, aqui, eu escrevo que os projetos que já planejei são inaplicáveis por ausência de conscientização maior de que somos todos responsáveis por esse tipo de situação maléfica. Então, chorando, eu escrevo que não sei mais... mudar tais fatos, sozinha ou em dois, e ver resultado efetivo? Bem, é da resposta que advém meu pessimismo.

Ninguém vê que somos nós que fazemos a sociedade, pois é nela onde nos identificamos... Identificação é identidade, como me fala Maffesoli. Vivemos em constante troca de percepções e tatos, moldamo-nos aos outros pela convivência e expomos nossos pensamentos com o cuidado para não sermos tachados seriamente de loucos.

Todos vemos isso, sim, Charles, mas ninguém faz quase nada. Muitos (a maioria) está preocupada em trocar de carro, em se vingar do vizinho que ouve som alto, em comprar uma bolsa Guess e um tênis Nike, em ir ao McDonald's e se entupir de gordura saturada, em ir às festas badaladas, fazer-se aparecer e ter uma imagem estampada num jornal, num site, numa revista, e... só.

Sim, um dia também intentarei trocar de veículo, mas não creio que tal seja o objetivo da existência de um ser humano. No meu humilde domínio da minha realidade que escorre por estes dedos, penso que o ser humano é muito mais que isso - assim, fica fácil entender a minha indignação frente à inércia de cada indivíduo anônimo que critiquei neste blog.

Certa vez, fui repreendida sutilmente por uma colega de estudo: "Ninguém está aqui para bancar o super-homem e salvar os adolescentes infratores de suas vidas restritas e desacreditadas!!!".

Puta que o pariu!!! Por que raios estudamos, então, direito?! Por que temos pensamento crítico e queremos quebrar paradigmas? Não há verdade absoluta, aprendemos no primeiro ano da faculdade - mas não haverá uma vivência coerente de bem-estar a todos? Ah, sou bem idealista e minha meta é uma utopia: o que significa que o caminho é longo, certo (e a chegada, impossível) e não restrito aos interesses supostamente altruístas de quem "estuda direito e fala bonito sobre Marx, Sartre, Hegel, Schopenhauer".

Não quero verbalizar flores e não poder plantá-las e vê-las florescer. Não falo do que não acredito - falo do que tenho esperança. E se eu digo que pretendo conversar com adolescentes infratores, por exemplo, não é para usá-los como mero objeto de estudo de um artigo: é para tentar sentir o que eles passaram, o que eles sofreram e tentar tirá-los da mentira que lhes contaram sobre a sua existência. Sim, quero tentar ser uma super pessoa que não se resigna a tais acontecimentos - ou uma pessoa sonhadora, coitada, pois tem fé em algo melhor e, segundo creem muitos, nada de bom/melhor pode se esperar da humanidade.

Faço do meu próprio peito, por vezes, o escudo contra a reprodução de atitudes e pensamentos alienados que demonstram o comodismo das pessoas diante das mazelas da sociedade, que estão, ali, ó, na sua vizinhança, na sua família, quiçá na sua vida. Não é simples sair da zona de conforto e bater de frente com as práticas massificadas, que são convenientes por egoísmo podre e se preocupam com a moda na próxima estação. Só sei que eu prefiro a guerra pela paz à paz calada - pois paz sem voz, não é paz: é medo.

Então, Charles, eu te digo: cada um, enquanto não conseguimos nos unir conscientemente, que faça a sua parte, que responda pelo que a vida lhe pede porque, se tu presencias uma cena de injustiça, será que não é por que a vida sabe que tu tens condições de modificá-la? Eu tento fazer o que posso -  mas minha alma sofre por saber que não é o suficiente.

Mas creio na luta cega que não vê a verdade, pois não é absoluta, mas que se sente no coração  ao ver o sorriso de uma criança, ao sentir o agradecimento de uma mulher, ao se aquecer com o abraço de um pai... ao ver um jovem vencer onde nem erva daninha vinga (cf. Emicida, in Ooorra...).

Charles, e a luta é uma prática diária, a cada período, a cada hora, quando tu menos esperares. Então, não te alienes, vigia, tem lucidez para teus atos, respostas, omissões e até pensamentos. Tem noção da tua existência e do que ela representa, pois a vida não te dará uma resposta: ela te dará todas. Cabe a ti escolher uma delas. Ou mais.

Mas, sobre isso, não gosto de dar respostas que não seja a mim mesma. Aos além de mim, prefiro dar perguntas, como tu me deste.

Então: o que a tua existência representa para ti?

2 comentários:

  1. Humilhas com os teus textos Grazi!
    Nesta noite de sábado "inquieto" ler um texto deste é deveras agradável.
    Bom, o segredo é cada um (tentar) fazer o que está ao seu alcance. Nos deparamos com muitas coisas erradas e não podemos aceita-las!!!yehhh;))))))))
    Bom finalzinho de sábado e um domingo mara pra ti amore \o/

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  2. Juli, querida

    Seu blog é um doce, você é um doce ^^
    Obrigada, Ju!!!

    Ótimo finalzinho de domingo pra ti e ótima semana :***

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