terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Prisão Sorrateira
Ele não era homem para ela: todo o universo percebia
Todo os tempos, todas as cores, todo os odores
Tudo apontava ao que ela negava, fingida.
Adiava a verdade, virtude que tanto amava
E não enxergava a realidade, tornando-se, assim, escrava.
Permitiu-se ser presa em sutis fitas de cetim
Pois não machucavam sua carne delicada,
Mas não viu (omitiu!) que maculavam sua alma desacreditada,
Que sua liberdade de ser era vedada,
Sua essência, abafada,
E a ignorância, velada.
Fez-se boneca que diz vozes programadas
E que até se manifesta, mas que quase nunca contesta, pois desarmada.
Cria que pena valia, mas não via nada além da relação vazia...
Silêncio ao seu redor.
Argueiros em seus olhos.
Frieza, condição pior,
Atos, os dele, impiedosos.
Num ímpeto voraz, porém, depois do estável torpor:
Essa não era a sua harmonia, muito menos o seu amor.
Seu canto mudo, seu sorriso magoado,
Sua ausência de vida deu vez a seu aliado:
O universo pôs-se em luta, se revoltou
Circunstâncias, condições, motivações criou:
Se ela não tinha mais forças para desatar o laço,
O universo não permitiria que sua filha restasse ao acaso.
Os tempos choravam chuvas cinzas com cheiro de barro,
E suas nuvens irradiavam raios, com som em atraso...
Gritavam pela liberdade que outrora ela tivera
E a invocavam a colorir tudo que ela um dia era.
A sinestesia do viver lhe trazia à superfície
E mostrava, com o sibilar do vento, qual era o seu intento:
Soprar de seu corpo a poeira que a paralisava
E fazê-la sentir o quanto, pelo universo, era amada.
No limiar dessa torrente, fez-se sentir quente,
Fez-se sentir própria, fez-se sentir única.
Nada mais da velha túnica que lhe cobria a alteza (e lhe roubava a esperteza)!
É a vez da descoberta, é a vez de sua beleza.
Após perceber-se, percebeu-o:
Ele, em desalinho, enodoado, arvoado,
Longe do que ela esperava,
Aquém da máscara que ela formara.
Os odores de álcool e suor dele, antes despercebidos (ou remidos)
Passaram a lhe causar ânsia e desmotivar sua libido.
O cenário escuro de seus momentos naquele lugar não era mais o mesmo...
Misturava-se com a irregularidade das formas, com tudo largado a esmo.
Não queria mais voltar, pois o sol vistoso a iluminava quando longe de lá estava
E a aquecia, a protegia, a agradecia pela luz que emanava e a alimentava.
O tempo bom dos verdes claros e escuros e das sombras davam o convite
Para acreditar que sua liberdade é rica e tenra – disso, não duvide!
Sem falar das pétalas colocadas em aquarela, que confortavam o seu longo caminho,
Protegendo seus profundos pensamentos e perfumando o início de seu desafio...
Levantou-se do chão, da cama, da calçada e da cadeira,
Limpou suas vestes, sua carne, seu colo, tudo à sua maneira,
Desatou os nós que impediam o movimento de seus braços,
Que lhe evitavam os reais abraços...
Tanto desgaste passado era demasiado para um falso amado.
Violou as regras que se dava, as promessas que faltava
E livrou-se do que a impedia de enxergar.
E viu (novamente) que sua essência é o que mais de valor que há.
Reconheceu sua identidade, firmou-se na dura, mas verdadeira verdade:
Aquela vida não era completa,
Aquele homem não era homem para ela,
Faltava-lhe a si própria,
Faltava-lhe o que ele disse que ele era.
Construir a prisão e deixar-se ser escravizada...
Destruir a fantasia e se permitir ser libertada...
Aprendizado que fortalece o espírito ,
Experiência que ensina a ser valorizada.
O véu que ali havia não existirá nunca mais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário